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Guitarra Portuguesa - José Manuel)Jantava há dias numa mesa onde se reuniam várias nacionalidades, entre as quais a Italiana e a Espanhola, para além da Portuguesa.
A determinado trecho, começou a tocar Flamenco e eis que a Espanhola sorriu: "Ah, Flamenco!". Reconheci-me naquele gesto e sorriso. Naquele conforto que o que nos é familiar trás, enchendo o nosso olhar, mesmo que por fracções de segundos, de uma doçura que só quem sente Saudade consegue expressar.
- Sabes! - disse-lhe - até sair de Portugal não suportava Fado. Não gostava mesmo, mas mesmo nada. Tanta tristeza, tanta dor... bah, para coisas más já nos bastam os infortúnios da vida, e repudiava-o. Mas agora, desde que me encontro longe, consigo percebe-lo e identifico todas essas tristezas e dores, que não são tristes mas sim intensas e sentidas. Agora adoro Fado!
Não se espantou. Respondeu-me revelando exactamente a mesma descoberta:
- Eu também não gostava nada de Flamenco e agora... a mesmíssima coisa que tu com o Fado. Adoro!
Neste ponto juntou-se a Italiana 'a conversa:
- Engraçado, eu também só comecei a gostar de Pavaroti após me encontrar no estrangeiro!
O longe se faz perto. E' então quando, 'as cegas, nos lançamos 'a aventura do desconhecido que nos agarramos ao que de mais familiar temos e que mais nos trás o que é nosso. E aí, ainda 'as cegas, começamos a Ver. A ver melhor que nunca e a perceber e a encontrarmo-nos. E há uma guitarra dentro de nós. E todos nós somos Fado!
"É meu e vosso este fado
Destino que nos amarra
Por mais que seja negado
Às cordas de uma guitarra
Sempre que se ouve o gemido
De uma guitarra a cantar
Fica-se logo perdido
Com vontade de chorar
Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi
E pareceria ternura
Se eu me deixasse embalar
Era maior a amargura
Menos triste o meu cantar
Ó gente da minha terra
Agora é que eu percebi
Esta tristeza que trago
Foi de vós que recebi
(O' gente da Minha Terra - Amália Rodrigues)"
Tal como tu, só comecei a compreender a dimensão do Fado quando saí de Portugal e quando o comecei a ouvir com outras pessoas, estrangeiras... É estranho como por vezes temos de nos distanciar para conseguir ver as coisas com mais clareza...
Bem vinda!
Eu também era assim. Nunca suportei fado. Achava-o sempre triste e medonho. Apesar de ter frequentado solares de fado em pequeno por razões familiares, acho que ganhei aversão ao dito. Mas hoje em dia dou por mim a ouvir A Naifa (ok, não é fado, mas está lá qualquer coisa), Cristina Branco e afins.
As coisas mudam mesmo quando estamos aqui. Para além de achar fantástico a maneir como os holandeses e os belgas veêm o fado. São quase fanáticos.
E ainda bem.
Subscrevo, subscrevo, subscrevo, Inês!
Pois é um fenómeno estranho... Comigo passou-se semelhante.
Ontem vi numa loja três dvds da Amália Rodrigues, live in Tokyo, live in NY e outro... no meio de Red hot e afins... fiquei intrigada... obviamente não são recentes... mas pareceram-me muito à frente para a "época" ou para a dimensão que às vezes julgo que as "nossas coisa" têm... :-)
hoje em dia consigo superar a voz magoada, o peso da musica e sentir so o texto, o som da tao unica guitarra portuguesa...
ainda bem que està a começar a ouvir-se uma nova geraçao de fadistas, mais novos, que nos dao a sensaçao que afinal o fado nao é "de velhos"... mas sim, portugues!
idem, idem, aspas, aspas...
"vá pra fora cá dentro" ou vá para fora e volte cá para dentro...
se calhar amanha vou ao concerto dos Madredeus, aqui em Freiburg...
e daqui a um mes vou de certeza ao da Mariza, no mesmo sítio...
e já vi cá Maria Joao e Mário Laginha..
às vezes tenho a sensacao de que os verdadeiros representantes da nossa música andam mais pelo estrangeiro do que por casa.. é pena, mas para nós, esta geracao nova de pseudo-emigrantes, até tem as suas vantagens:)
"Vá para dentro, cá fora", Violante...
Ah, Inês... "O longe se faz perto." Isso é tudo. Tudo o que eu mais quero.